em plena construção,
de um texto embrionário,
sofri pela interrupção sucessiva:
tocou o interfone,
chegou o mercado!
vestindo pijamas
procuro um pé do chinelo
achei! do outro lado da sala.
portas se abrem
me deparei com a minha imagem
no espelho do elevador
portas se fecham
convivo com ela
até que portas se abrem novamente.
acomodei as sacolas na pia
e voltei para o texto
até que, mais um ruído.
num barulho contínuo
a máquina de lavar
rodopia a minha concentração.
levanto e bato a porta.
sento novamente na cadeira giratória
olho para o texto, olho para o teto
buscando sentido mas parece
que rodopiei junto com a máquina de lavar
ou com a cadeira, entrando numa espécie de labirintite literária
já totalmente desfocado
abandono o texto
e sou levado para o próximo apito do whatsapp
grupo dos pais das escola
precisa levar duas embalagens
de leite na sexta-feira.
não tomamos leite aqui em casa
reflito sobre isso com preocupação
e depois ignoro essa informação
tá na mesa, seu luis!
já to indo! só 1 minuto!
parece que o tempo escorre entre meus dedos
enquanto nem sei mais o que busco
se é um texto de trabalho, um poema,
ou uma caixa de leite vazia.
a rotina não para de se impor.
na minha frente um prato branco
me servi de arroz, feijão, farofa, salada de tomate e brócolis
fico viajando no brócolis que parece uma mini árvore
enquanto lentamente mergulho nos sabores do almoço
vinte minutos de youtube pós almoço
não faz mal para ninguém, né?
esqueço meu dia na televisão.
depois me dá uma preguiça de voltar para o trabalho
são sete horas da noite
quando cai um copo na sala
tá tudo bem aí? tá sim pai.
não se mexe! você está descalça?
o mundo se insinua,
me obriga a agir
enquanto o afeto transcende a mera composição.
pauso o trabalho e acolho o imprevisto.
assim, nessa dança entre o poema e a vida,
deslizo entre o caos e a melodia
e as vezes os papéis se invertem.
o caos vira melodia e a melodia vira caos