domingo, 5 de março de 2023

o carnaval não existe, existe!

no livro, na poltrona, acomodado dentro do meu silêncio
imerso no bloco do as vezes eu sozinho
o carnaval não existe.

no sofá, na louça, na cama desarrumada,
na taça de vinho abandonada de ontem
o carnaval existe.

"onda onda, olha a onda!"
a coreografia se repete
e a onda estoura
num não carnaval.

meu carnaval começou na cozinha
no recuo da bateria, 
esbarrei na garrafa, no momento em que o coador passava o café
o carro alegórico despencou
se espalhando por toda avenida

o café explodiu no ar como purpurina 
avançou pela pia, 
escorreu pelas gavetas, 
penetrando em suas entranhas, 
pingando por dentro
sujando talheres, panos de prato.
respingos na parede, no fogão,
logo mais abaixo se encontra deitada a garrafa térmica
envolta numa poça arenosa de café.


os socorristas trabalharam rapidamente
chinelo, papel toalha, vassoura, pá, detergente
a garrafa térmica infelizmente não resistiu

o café  com leite no copo de vidro ficou por conta da padaria

entre os corredores do mercado, não havia a ala das garrafas térmicas
voltei para a casa de mãos abanando

já no meu apartamento, vesti a fantasia de um cara feliz
e fui para o bloco

do lado da bateria acompanhei o álcool emergindo sobre o meu corpo
a essa altura minha alegria não conseguia manter a discrição
de repente, não me pergunte como, estava numa coreografia com um senhor que usava regata e uma cartola.

e no meio da cabeleira do zezé, me deu vontade de fazer xixi,
abandono o bloco, atravesso pessoas com pressa
odeio pessoas agora!  cadê o banheiro? não era para esse lado?  onde era mesmo?
achei! odeio banheiro químico!
além do cheiro ruim, sempre rola um coco alheio boiando, porra por que o folião de antes não podia dar uma descarga? esses mictórios me dão fobia, confesso que nem tranco a porta, vai que depois o trinco quebra e eu fico ali até o fim do carnaval.

quanto ta a cerveja? doze reais. eu quero uma!  volto para o bloco e logo começou a chover e ninguém se incomodou, pelo o contrário, era o ingrediente perfeito que faltava para aliviar o calor. eu que já estava com uns dois botões da camisa aberta, todo suado, com confete no cabelo e na roupa, recebi a chuva com passos de danças desconexos de uma alegria bêbada fora de controle.